domingo, 18 de agosto de 2019

Crónicas_6 | The second artist in residence Ohtawara | 2019

Sayounara Ohtawara
Já começamos a ter saudades…
Findo o tempo para a produção dos trabalhos artísticos, decorreu hoje a inauguração da exposição coletiva dos artistas portugueses, brasileiros e japoneses.
Fui uma cerimónia muitíssimo especial. A intensidade emotiva de todos os participantes da residência artística foi individualmente descrita em versos haiku por poetas de Ohtawara. Com o coração nas mãos vamos amanhã embora com o consolo de que de novo nos voltaremos a encontrar em Portugal, no Brasil e quiçá até no Japão…
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Crónicas_5 | The second artist in residence Ohtawara | 2019

Já entramos na última semana da residência artística no Institute of Art and Cultural Studies em Ohtawara, Japão. O ciclone anunciado ainda não chegou. No entanto, desde que estamos em Ohtawara, (26 de julho), já sentimos, se bem que com suavidade, a terra a tremer. Os trabalhos artísticos prosseguem, portanto. Mas, os tremeliques telúricos tiveram as suas réplicas nos ânimos dos artistas da galeria História e Arte. As dinâmicas tectónicas, acrescidas pelas altas temperaturas, a intensa humidade e a limitação temporal para a conclusão dos trabalhos geraram alguma angústia nos artistas portugueses selecionados pela galeria História e Arte. A conjuntura meteorológica, veio assim reforçar a previsível inquietação que o término dos trabalhos artísticos lhes impõe. Também neste âmbito a residência artística em Ohtawara está a ser pródiga. Como observadora das diversas práticas em curso não posso deixar de registar como interferem as circunstancias culturais na disposição dos diversos artistas. Há um certo dramatismo, aplicado com diferentes medidas de intensidade, transversal a todos os artistas de Portugal. Como é evidente também, que existe um permanente bom ânimo nos artistas vindos do Brasil e uma inegável atitude diligente nos artistas japoneses. Os três grupos das três diferentes nacionalidades complementam-se lindamente, e é bom notar como até se equilibram. Penso que também neste equilíbrio está subjacente a mestria da Lika Kato e a sabedoria de Kodai Hihara ao promoverem este encontro.
Também nos comove a resistente prática artística que Kodai Hihara aqui leva a cabo. Ohtawara, tal como Bragança, e tal como todo o interior rural do nosso país, sofre de males idênticos. A desertificação populacional, o envelhecimento da população que resiste, a falta de trabalho apetecível para os jovens, também tudo aqui se conjurou. É bom constatar que as réplicas contra o avassalador movimento de concentração urbana se sentem um pouco por todo o nosso planeta!  
Atelier de modelagem
 Atelier de escultura
 Atelier de escultura
 Atelier de pintura
 Atelier de gravura

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Crónicas_4 | The second artist in residence Ohtawara | 2019

A quarta crónica desta residência é dedicada aos artistas japoneses que nos recebem em Ohtawara. A deferência que me merecem atrasa a escritura deste relato pois temo não ser suficientemente agradecida nas palavras que lhes dedico. A cultura a que nos permitem aceder ultrapassa largamente os lugares comuns que trazía no meu imaginário. Definitivamente, creio, que deveríamos (nós, Homo sapiens) começar a nossa educação aqui, rodeados pela cultura nipónica. Há algo nesta refinada delicadeza e no polimento das relações sociais que me parece propiciador ao bom entendimento entre todos e que mereceria ser reproduzido além-fronteiras.
Kodai Hihara é simultaneamente o mentor do projeto da residência artística e escultor. Eu, como todos os outros “residentes”, declaro o respeito, a admiração, e um imenso agradecimento para Kodai San.
O atelier do Kodai é um intenso espaço de criação, cheio de esculturas em curso, máquinas e ferramentas. Fora deste “santuário” destaca-se a possante escultura de um porco que nos recebe à entrada do Institute of Art and Cultural Studies. De madeira e metais, a alimária perscruta o visitante com uma expressão divertida nos olhos, contrariando a imponente e máscula volumetria do corpo.
A Tamami (Ichimura) modela o barro e mistura-o com a madeira que esculpe. Desde que chegamos já pudemos acompanhar a sua pratica pedagógica aplicada a um diligente aluno que em pouco tempo lavrou o seu autorretrato. Na sua mesa de trabalho acumulam-se utensílios de cerâmica, detalhes de bichos diversos e as obras em curso, uma ave dodô e uma cabeça de chacal. Também moldadas pelas mãos de Tamami convivem no amplo espaço central do Institute diversos animais: um par de focas, ternos e roliços exemplares que placidamente parecem aqui ter encalhado; um quadrúpede e um porco selvagem.
A Mio (Warashina) é pintora, mas também gravadora e com formação em artes do metal. Conhecedora de técnicas distintas de produção de imagens, foi solícita a partilhá-las com os brasileiros e portugueses no atelier de gravura que agora ocupam. Mas, neste momento é na pintura de misteriosas silhuetas que percebemos a dedicação da sua prática artística. As formas biomórficas que pinta formam figuras que parecem contidas em veios de madeira. Diligente, dona de uma doçura comovedora, e como todos os companheiros japoneses, a Mio é disponível e atenta na boa integração dos colegas luso-brasileiros.
Desde que iniciamos a residência que o Tetsuya (Tokuda) já terminou uma escultura. Fomos assistir à inauguração de uma exposição coletiva onde a expõe, (junto a obras de Kodai e Tamami) e, desde então, iniciou novo trabalho escultórico. Em madeira, com detalhes em metal, e em cerâmica, é à figuração feminina que dedica a maioria dos trabalhos. As obras escultóricas de Tetsuya que pudemos contemplar são delicados tratados de anatomia feminina. A preferência pelas linhas suaves de rostos de frágil e pueril compleição definem um feminino feérico, patinado em tons claros.  
O Kizuku (Takahashi) é estudante de escultura na universidade de Fukushima. A mestria com que desbastou o tronco de Ginko Biloba denota a´sua continuada e dedicada prática manual. Traz, da loja da universidade, o seu estojo com as goivas e os formões bem afiados. Mostra no atual trabalho a preferência pela figuração de animais, aspeto recorrente na prática contemporânea dos artistas que circularam pelo Institute of Art and Cultural Studies. Trabalha a madeira de Ginko, e não o Kusonoki, madeira mais suave que normalmente trabalha, mesmo assim, a águia japonesa que esculpe já quase voa.
Kodai Hihara no seu atelier 
Tamami Ichimura a ensinar modelagem
Mio Warashina no seu atelier
Tetsuya Tokuda (fotografia cortesia de Luiz Carvalho)
Kizuku Takahashi

sábado, 3 de agosto de 2019

Crónicas_3 | The second artist in residence Ohtawara | 2019

A terceira crónica da viagem ao Japão é dedicada aos artistas brasileiros com quem partilhamos a residência em Ohtawara. Tal como no registo dos artistas de Portugal também para os artistas do Brasil a metodologia usada privilegia a ordem estabelecida no programa de divulgação da residência no Institute of Art and Cultural Studies de Ohtawara. O imenso país da lusofonia americana é um prenuncio da imensa variedade artística que o grupo de cinco artistas espelha.
Abigail Nunes
Davi Baltar
Deneir Martins
Julio Castro
Luiz Carlos
A Abigail (Nunes) dedica a residência artística à gravura, também poderia dedica-la à pintura ou ao desenho em que academicamente se formou. A dualidade da sua identidade franco\brasileira é percetível em quase cada detalhe das informações que lhe vou pedindo. A influência que traz na gravura deriva do Julio (Castro), o mestre gravador com quem agora partilha atelier, mas o linóleo que usou para a primeira obra veio de Paris. As goivas com que risca são japonesas que além de mais ergonómicas, são também de aço mais fino e, portanto, mais precisas e hábeis para um trabalho melhor executado.
O Davi (Baltar) articula a street art com a pintura sobre tela. As medidas das telas que requisitou (150x150 cm) reproduzem a forma quadrangular que as imagens ’instagram’ impõem. O sentido critico, explicito e implícito na pintura do Davi começa logo aí, na forma da tela. Perante a boa qualidade dos materiais disponibilizados pelo Institute of Art and Cultural Studies de Ohtawara é a deferência do executante aplicado que responde com a diligência do trabalho bem feito. O olhar atento e acutilante sobre o quotidiano brasileiro anuncia uma realidade já denunciada nos desenhos preliminares.
O Deneir (Martins) atualmente expõe no Museu de Belas Artes no Rio de Janeiro. Com forte sentido pedagógico na militância do uso da arte para a educação reutiliza materiais gerados pelo consumismo sôfrego dos nossos dias. Nesta comprometida reciclagem é com lúdica ligeireza que mistura as sementes trazidas do Brasil, como as “lágrimas de Nossa Senhora”, com os grãos de arroz local e os pauzinhos com que todos, a diário, comemos as iguarias japonesas. Os suportes das criações do Deneir são em madeira de Bambú, requisitada localmente, é mais rija e possante que o Bambu do Brasil.
O mestre da impressão é o Julio Castro. Comanda a prensa de gravura no atelier que partilha com a Abigail Nunes e com a Paola Afonso. Com esmerado zelo começou por trabalhar a matriz da gravura em laminado de madeira que trouxe do Brasil. Os trabalhos de impressão sublimam os volumes, quase escultóricos, e denotam a competência técnica no domínio das ferramentas e dos materiais. Experimentado executante, o Julio brinca com as metodologias de trabalho de gravura com a segurança do conhecimento adquirido. De produção japonesa, o papel de arroz e o linóleo, são já parte deste processo.
O Luiz Carlos sabe artes marciais. Nas obras assina o nome com o que parecem caracteres japoneses. Pinta com o gesto, tal como fazem os calígrafos nipónicos e usa pinceis de bambu. O prenuncio asiático é tão forte que quase parece propositado. Ao abrir os cadernos de artistas e o papel dobrado em concertina percebemos como as manchas de tinta da China e em tinta acrílica denunciam o sentido inconformista do Luiz. As réguas e as espátulas trazidas do Brasil espalham em manchas dinâmicas o sentido desenganado e crítico de forte ativismo politico.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Crónicas_2 | The second artist in residence Ohtawara | 2019

O registo dos processos criativos dos diversos artistas segue a ordem estabelecida no programa de divulgação da residência no Institute of Art and Cultural Studies de Ohtawara
O Tó (António Pires) regista o espaço com a câmara fotográfica. O espaço construído e o espaço natural que nos envolve e também os intervenientes e as suas circunstancias. Discreto, de presença quase impercetível, dirige a câmara fotográfica como se dirige um olhar admirado. No país das tecnologias a câmara fotográfica sente-se em casa e a captação de imagens flui naturalmente no gesto do Tó. Começa os percursos fotográficos de manhã cedo para esquivar a luz e o calor sufocante do meio dia e usa as primeiras horas da tarde para registar as imagens de interior dos ateliês e dos artistas.
A madeira de Ginko biloba (Nogueira do Japão) foi o material eleito para a escultura do Janjã (João Ferreira). O estatuto de madeira fóssil, a resistir no nosso planeta desde a época dos dinossauros, imprime solenidade ao agradável aroma que se desprende no atelier conforme vai sendo esculpida. A peça de madeira é de dimensões consideráveis (cerca de 220x70x50 cm). Depois de desenhada a figura sobre a superfície clara e regular, as ferramentas de aço bem temperado cedidas pelo mestre Kodai Hihara são metodicamente manuseadas pelo autor.
A Paola (Afonso) trouxe de casa materiais têxteis. Naperons de algodão finamente bordados são o suporte eleito para as gravuras. As técnicas de gravação têm no Institute of Art and Cultural Studies de Ohtawara um atelier especial com prensas diversas e distintos materiais que estimulam a experimentação. De Portugal, a Paola trouxe também mapas que diligentemente procurou para reverberar outras viagens que aproximaram no passado o país luso do país nipónico. Estes documentos são a matriz que as tintas de óleo e acrílico revelarão no processo criativo sempre surpreendente que a gravura possibilita.
O Filipe (Rodrigues) requisitou telas, tintas e marcadores acrílicos para pintura. A boa qualidade do algodão das telas revela a diferença dos materiais japoneses em comparação com os portugueses. Enquanto preparou as telas para a pintura, multiplicaram-se no atelier que lhe foi atribuído, os desenhos a tinta da China. Sobre o papel, de gramagem fina texturado, a tinta da China traça os objetos do atelier, fotografias de catálogos de viagens, esculturas e o edificado do Institute of Art and Cultural Studies de Ohtawara. De todos os desenhos do Filipe sobressaem as linhas suaves dos rostos orientais e as escadas do edificado.
Os trabalhos artísticos decorrem a bom ritmo, em constante partilha com os restantes membros da second artist in residence Ohtawara 2019, mas sobre isso escreverei na terceira cronica desta viagem.
António Pires e João Ferreira
Kodai Hihara e João Ferreira 
Paola Afonso e Deneir Martins (Brasil)
Kodai Hihara e Filipe Rodrigues